"Da minha aldeia vejo quanto da terra se pode ver no Universo...
Por isso a minha aldeia é tão grande como outra terra qualquer
Porque eu sou do tamanho do que vejo
E não do tamanho da minha altura..."

terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

Imaginem - Mário Crespo



Imaginem que todos os gestores públicos das setenta e sete empresas do Estado decidiam voluntariamente baixar os seus vencimentos e prémios em dez por cento.
Imaginem que decidiam fazer isso independentemente dos resultados. Se os resultados fossem bons as reduções contribuíam para a produtividade. Se fossem maus ajudavam em muito na recuperação.
Imaginem que os gestores públicos optavam por carros dez por cento mais baratos e que reduziam as suas dotações de combustível em dez por cento.
Imaginem que as suas despesas de representação diminuíam dez por cento também. Que retiravam dez por cento ao que debitam regularmente nos cartões de crédito das empresas.
Imaginem ainda que os carros pagos pelo Estado para funções do Estado tinham ESTADO escrito na porta.
Imaginem que só eram usados em funções do Estado.
Imaginem que dispensavam dez por cento dos assessores e consultores e passavam a utilizar a prata da casa para o serviço público.
Imaginem que gastavam dez por cento menos em pacotes de rescisão para quem trabalha e não se quer reformar.
Imaginem que os gestores públicos do passado, que são os pensionistas milionários do presente, se inspiravam nisto e aceitavam uma redução de dez por cento nas suas pensões. Em todas as suas pensões. Eles acumulam várias. Não era nada de muito dramático. Ainda ficavam, todos, muito acima dos mil contos por mês.
Imaginem que o faziam, por ética ou por vergonha.
Imaginem que o faziam por consciência.
Imaginem o efeito que isto teria no défice das contas públicas.
Imaginem os postos de trabalho que se mantinham e os que se criavam.
Imaginem os lugares a aumentar nas faculdades, nas escolas, nas creches e nos lares.
Imaginem este dinheiro a ser usado em tribunais para reduzir dez por cento o tempo de espera por uma sentença. Ou no posto de saúde para esperarmos menos dez por cento do tempo por uma consulta ou por uma operação às cataratas.
Imaginem remédios dez por cento mais baratos.
Imaginem dentistas incluídos no serviço nacional de saúde.
Imaginem a segurança que os municípios podiam comprar com esses dinheiros.
Imaginem uma Polícia dez por cento mais bem paga, dez por cento mais bem equipada e mais motivada.
Imaginem as pensões que se podiam actualizar.
Imaginem todo esse dinheiro bem gerido.
Imaginem IRC, IRS e IVA a descerem dez por cento também e a economia a soltar-se à velocidade de mais dez por cento em fábricas, lojas, ateliers, teatros, cinemas, estúdios, cafés, restaurantes e jardins.
Imaginem que o inédito acto de gestão de Fernando Pinto, da TAP, de baixar dez por cento as remunerações do seu Conselho de Administração nesta altura de crise na TAP, no país e no Mundo é seguido pelas outras setenta e sete empresas públicas em Portugal.
Imaginem que a histórica decisão de Fernando Pinto de reduzir em dez por cento os prémios de gestão, independentemente dos resultados serem bons ou maus, é seguida pelas outras empresas públicas.
Imaginem que é seguida por aquelas que distribuem prémios quando dão prejuízo.

Imaginem que país podíamos ser se o fizéssemos.
Imaginem que país seremos se não o fizermos.

Mário Crespo

7 comentários:

  1. Caro amigo.

    Agora junte a esses 10% todos os 10% que eles têm nas contas offshore na Suíça e no Luxemburgo e naqueles países que a gente nem sabe onde ficam sequer !!!!

    Imagine se 10% de todos os impostos fossem efectivamente reinvestidos na nossa competitividade e nas nossas empresas !!!!

    Faz quase lembrar aquela música do John Lennon "Imagine all the people..."

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  2. Aqui se vê a tal falta de cultura de liderança, comentada há poucos dias. O exemplo vem de cima. É necessário ser um administrador brasileiro (sem querer menosprezar os brasileiros) da TAP a dar o exemplo aos portugueses.

    Há dias ouvi esta expressão, muito antiga por sinal, já com mais de cem anos: "Um rei forte faz forte a fraca gente. Um rei fraco faz fraca a gente forte!"
    Diz muito sobre os nossos líderes fracos que promovem a fraca gente e temem / procuram eliminar a gente forte, que possa fazer-lhes mossa. Exemplo: Mário Crespo.

    Até quando???

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  3. Meu amigo, eu sou republicano, embora seja da opinião que a republica tenha sido um falhanço em Portugal.

    Se há Reis que admiro os há que detesto, sempre gostei de D Pedro IV e no entanto detestei o sr. seu pai D João VI que acho um cobarde, isto para lhe dar um exemplo em como a genética não é boa conselheira, aliás o outro filho, D Miguel (o proscrito de evoramonte) tinha fama de fazer pontaria à cabeça dos criados com a carabina quando estava mal disposto...

    Já tive tantas discussões destas no 31 da armada e no corta fitas... Normalmente os monárquicos são pessoas educadas e com grande conhecimento da história, já alguns me tentaram convencer a aderir à causa mas ainda não me mostraram um argumento forte o bastante.

    Eu como democrata gostaria de experimentar o presidencialismo aqui em Portugal, seduz-me a estabilidade governativa no entanto a incompetência até me faz arrepios...

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  4. Caro Bicho.
    Como já tive oportunidadede lhe dizer, tenho uma costela monárquica, o que não quer dizer que não saiba reconhecer os limites e defeitos deste regime político, assim como também sei argumentar as suas vantagens e virtudes.

    O seu comentário penso que só veio reforçar a expressão utilizada sobre reis fortes e fracos - é uma consequência lógica: quando concentramos grande parte do poder numa liderança, se esta fôr boa, o país avança... o risco está na possibilidade contrária, quando a liderança é defeituosa. Este princípio penso que também se aplicará num sistema presidencial, onde o poder está mais concentrado na pessoa do presidente. Este é escolhido pelos cidadãos, enquanto um rei não o é. Esta é a grande distinção dos dois regimes.

    Sempre que quiser podemos discutir este tema. Deixe-me só terminar, dizendo que penso ser possível conceber uma monarquia com princípios democráticos realistas e pragmáticos, permanecendo apenas fora dessa esfera a cabeça do Estado, personalizado na corôa real, um polo estabilizador e promotor da estabilidade política e social de um país.

    Caro Bicho, prefiro uma democracia realista e próxima dos cidadãos, promovida pela própria pessoa que seria o rei, do que "isto" que vivemos hoje: uma democracia hipócrita e demagógica, longe dos seus cidadãos, promovida por uma classe política corrupta e corrompida que pretende afastar as pessoas da participação activa política exterior aos partidos, de maneira a poder proteger os seus interesses e propósitos pessoais, disfarçados por um teatro democrático, chamado eleições.

    Não me canso de o gritar: Esta é a democracia dos que representam...não a dos representados.

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  5. Meu caro, é exactamente por essa dualidade competência/incompetência que a monarquia me faz medo, o argumento genético e do "educado para ser líder" são a meu ver falácias por isso dei o Exemplo de D João VI e dos seus filhos.

    Com o presidencialismo, eu sei que por um lado o governo era estável, por outro durava 4 ou 5 anos...

    Eu gosto do sistema Americano com presidencia e senado, no círculo do poder estão os eleitos pelo povo e os eleitos pela região em circulo uninominal e ambos têm o poder de se controlar.

    Tudo é às claras, até os Lobbyes estão representados no congresso, o da indústria alimentar, farmacêutica, automóvel, tabaqueira, etc.

    Por muito incompetente que seja o governo governa sempre pelo menos uma legislatura e em caso de escândalo o governo cai, veja-se o exemplo de Nixon.

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  6. Entendo os seus receios, no entanto não falo de uma liderança real medieval ou absolutista, nem mesmo até um rei liberal, como o foi o nosso último D. Carlos; falo de um rei, como a primeira figura de estado, garante da coesão nacional e política, símbolo mais alto da Nação, aglutinador de todos os interesses, visões e ideologias. Falo de monarquias constitucionais, como o são a inglesa, a espanhola, belga, países nórdicos, etc... Todos estes são países que reconhecem a importância de um elemento de referência para zelar, acima de tudo, pelos interesses do país. Todos estes, são, sem sombra de dúvida, países mais desenvolvidos e avançados, num ponto de vista económico e civilizacional. Todos estes países não são menos democráticos que o nosso.

    Em Portugal vale mais o nome "República" e uma suposta "Democracia", do que a palavra PORTUGAL. Os primeiros dois conceitos são mais vulneráveis à manipulação e demagogia, de forma a colocar acima dos desígnios nacionais, os interesses e ambições de uns poucos.
    Não se iluda caro Bicho, é disto que eu falo: acima de tudo e todos, inclusive regimes políticos (monarquias, repúblicas parlamentares, presidenciais ou semi-presidencias, aristocracias e outros), está o nosso país. A nossa Constituição é, por si só, uma contradição à democracia, aceitando como único regime possível a República, caminhando para uma sociedade cada vez mais socialista, refutando qualquer outro regime e qualquer outro caminho. Está lá escrito.

    Muito me podia alongar por estes argumentos, mas também não o quero maçar caro amigo. Também não o quero convencer ou persuadir da minha costela monárquica. No final, congratulo-me sempre por poder problematizar e discutir, com pleno sentido crítico, estas realidades e possibilidades. Faz falta em Portugal este tipo de argumentação justa e leal, ao contrário dos falaciosos e habilidosos debates semanais, como muitas vezes já assisti em horários nobres da TV.

    Faz falta pensar e falar o que se pensa, de verdade!

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